Manifesto da SBBN sobre a Importância da Experimentação Animal para o Desenvolvimento de Radiofármacos para Diagnóstico

A Sociedade Brasileira de Biociências Nucleares é uma sociedade civil sem fins lucrativos que congrega pesquisadores de diferentes formações, buscando disseminar conhecimentos científicos e o uso pacífico das radiações ionizantes, principalmente nas áreas da Saúde e Meio Ambiente. Através deste documento, a SBBN repudia e condena a atuação de grupos que, em sua convicção na defesa dos animais, mas à revelia da lei, invadiram o Instituto Royal e libertaram animais que estavam sob a guarda daquela instituição, a pretexto de um possível maltrato que esses animais vinham sofrendo, sem atentar para os prejuízos que podem causar à população no curto prazo (disseminação de doenças) e na destruição de dados e conhecimentos obtidos ao longo de anos de pesquisa e desenvolvimento. Essa ação, indiretamente, colocou a população brasileira em risco ao destruir experimentos que estavam sendo realizados para liberação de medicamentos em teste para uso em seres humanos. Pode ser que, no futuro, consigamos testar novos medicamentos sem o uso de animais, mas isso ainda não é possível.
A sociedade brasileira anseia pelo desenvolvimento científico e tecnológico aplicado à cura do câncer e de outras doenças com grande prevalência na população. Para alguns tipos de câncer, o padrão ouro (melhor eficácia de tratamento) é o uso de um radiofármaco específico. Radiofármacos são radionuclídeos que marcam quimicamente uma molécula-vetor (fármaco) para atingir o órgão ou tecido onde se que estudar o metabolismo e identificar o tumor. Os radionuclídeos são produzidos em reatores nucleares dedicados (com maior grau de enriquecimento de urânio e menor potência do que os reatores destinados a gerar eletricidade) ou em cíclotrons (aparelhos que aceleram íons em direção a um alvo definido para produção do radionuclídeo de interesse). Qualquer que seja o modo de produção de radionuclídeos, o licenciamento das instalações produtoras e utilizadoras (incluindo projetos de blindagens, sistemas de ventilação, armazenamento de rejeitos radioativos) e a fiscalização da proteção radiológica de trabalhadores e de indivíduos do público são exercidos pela autoridade regulatória, no Brasil a Comissão Nacional de Energia Nuclear (www.cnen.gov.br). Por outro lado, os fármacos (inclusive os radiofármacos) são medicamentos que devem ser pesquisados, produzidos, testados, validados e registrados segundo as Boas Práticas de Fabricação (“Good Manufacturing Practices”-GMP) recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (www.who.org), Farmacopéias (Americana, Européia e Brasileira), e as Resoluções da Agência Nacional de Saúde (www.anvisa.gov.br). Todo esse processo que visa a segurança e a eficácia dos medicamentos torna os fármacos caros. O desafio do país é reduzir a importação dos insumos, tornar-se tecnologicamente independente e estender essa tecnologia ao maior número de pacientes. Para atingir esses objetivos, mão-de-obra multidisciplinar e altamente qualificada deve ser preparada e/ou reciclada. Esse preparo inclui a ética no cuidado com animais e humanos.
No Brasil, os procedimentos diagnósticos com radiofármacos são realizados através de cerca de 100 equipamentos PET-CT (em Inglês positron emission tomography) e 700 câmaras de cintilação convencionais. A técnica PET utiliza radionuclídeos com meia-vida física (tempo do decaimento radioativo) mais curta (2 horas ou menos) que são produzidos por 10 cíclotrons situados próximos a hospitais das maiores cidades do país, para evitar perda do material por decaimento radioativo durante o transporte. Os equipamentos convencionais usam principalmente o radionuclídeo Tecnecio-99m, que tem meia-vida física de 6 horas e é aplicado em 80% dos procedimentos diagnósticos em medicina nuclear no país, com a vantagem de marcar diversos fármacos e poder ser transportado para longas distâncias. Infelizmente, no país, as terapias de rotina são limitadas a hipertireoidismo e carcinoma de tireóide com Iodo-131 (I-131) e tumores ósseos com Samário-153 (Sm-153). Na Europa, dentre outros, os tumores neuroendócrinos tem sido tratados com sucesso através de compostos marcados com Lutécio-177 (Lu-177) e Ítrio-90 (Y-90), ou com uma combinação de ambos. Nos EUA, o exito de terapias de linfomas não Hodgkin (LNH) com compostos marcados com Y-90 (nome comercial Zevalin) ou I-131 (nome comercial Bexxar) é um fato. Atualmente, uma das prioridades do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) é a construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), o qual permitirá a incorporação das terapias citadas através da produção de radionuclídeos como Y-90, Lu-177, I-131, Tc-99m, Sm-153, dentre outros. Para o desenvolvimento da produção de vários medicamentos e de produtos para saúde no país, os estudos de biodistribuição (inclui-se a dosimetria, no caso de radiofármacos) com animais são indispensáveis. Cada radiofármaco, mesmo quando marcado com radionuclídeo idêntico, ao entrar na corrente sanguínea, tem meia-vida biológica dependente do vetor (fármaco) e de sua particular biodistribuição e taxa de excreção, característica do sistema biológico animal ou humano, não podendo ser simulado computacionalmente sem prévia experimentação. O uso de material radioativo não é aceitável diretamente em pesquisa clínica (humanos) sem a realização da fase pré-clínica (animais) para avaliação da biodistribuição (através de imagens e/ou contagens da atividade do radionuclídeo no órgão ou tecido com um contador gama) e garantir que o radiofármaco atingiu preferencialmente o órgão de interesse. Após essa etapa, a dosimetria define a quantidade mínima de radiação a ser depositada no órgão considerando as características físicas e clínicas dos seres vivos e, assim, evitar dose de radiação desnecessária. Através de um modelo translacional, é prescrita a atividade do medicamento para as pesquisas clínicas, as quais confirmarão que o medicamento pode ser usado em rotina. Para humanos, os estudos são regulados através da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), diretamente ligada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) e criada pela Resolução CNS 196/96. Os projetos são submetidos, aprovados e acompanhados pelo Conselho de Ética em Pesquisa (CEP) local, ligado ao CONEP.
A experimentação animal é regulada pela Lei 11.794 conhecida com Lei Arouca, que criou o Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (CONCEA) ligado ao MCTI. Essa lei foi discutida no Congresso Brasileiro durante vários anos, envolvendo a sociedade civil organizada, diferentes grupos protetores dos animais, indústrias farmacêuticas, sociedades de usuários de medicamentos, sociedades de pesquisadores e parlamentares. A Lei 11.794 foi aprovada em 08 de outubro de 2008, colocando o país no patamar das nações mais desenvolvidas em relação à proteção dos animais utilizados para fins científicos e didáticos. Qualquer instituição que utiliza animais para ensino e pesquisa deve requerer Credenciamento Institucional para Atividades com Animais em Ensino ou Pesquisa (CIAEP) junto ao CONCEA. Qualquer investigação que envolva o uso dos animais é fiscalizada e só pode ser realizada após aprovação de uma Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA), formada por pesquisadores, docentes, advogados, religiosos, veterinários representantes das sociedades protetoras dos animais e outras pessoas da sociedade. Cada CEUA deve avaliar as condições de alojamento e se as condutas experimentais não acarretam sofrimento aos animais. Uma vez que existam controles de boas práticas de laboratório e de experimentação nas Instituições credenciadas pelo CONCEA, não se justifica a invasão de um Centro de Pesquisas. Em caso de eventuais dúvidas sobre a conduta nos procedimentos, os interessados devem procurar os Órgãos responsáveis pela fiscalização em nível municipal, estadual e federal. A invasão de um laboratório sem conhecimento das condições ambientais pode ter consequências desastrosas para o meio ambiente, como disseminar doenças (no caso de pesquisa com agentes biológicos com vírus, bactérias) e criar contaminação ambiental (no caso de estudos com agentes químicos e isótopos radioativos). O pesquisador, além do interesse científico, leva em conta o menor número de animais necessário ao experimento e assegura que seu sacrifício, estritamente quando é o caso, ocorra sem dor e que justifique as informações científicas e os benefícios de interesse coletivo alcançados.
Dentre os experimentos com animais, tem sido usados modelos experimentais de tumores que mimetizam bem o que acontece nos seres humanos. Mesmo assim, a comunidade científica discute o melhor modelo a seguir para aproximar ainda mais do comportamento das células tumorais no ser humano. Considerando sempre o uso de animais, há (1) modelo “xenograft”: implante de células tumorais de espécies diferentes (humano) em animais imunodeprimidos(NUDE); (2) animais geneticamente modificados capazes de manifestar determinados tipos de tumores; e por último e mais aceito, (3) inoculação na circulação dos animais de células tumorais que poderiam desenvolver naturalmente, mimetizando muito bem o que aconteceria no ser humano, inclusive, com a neo-vascularização, componente importante no desenvolvimento do tumor. Portanto, não se pode pensar neste tipo de experimento sem o uso de animais, principalmente para o desenvolvimento de drogas quimioterápicas “inteligentes” (“delivery system”), as quais entregam o agente quimioterápico no alvo, ou seja, no tumor evitando espalhamento no corpo, diminuindo os efeitos colaterais terríveis e contribuindo para o bem estar dos pacientes.
Dentre outras doenças, a cura do câncer no Brasil depende da experimentação animal com ética e responsabilidade. A sociedade não pode prescindir desse estágio de desenvolvimento, mas, pode e deve exigir por meios legais existentes que essas atividades sejam realizadas dentro dos critérios e práticas reguladas nacional e internacionalmente.
A SBBN alerta que ações como a ocorrida nos laboratórios do Instituto Royal, abre um precedente perigoso. Laboratórios de pesquisa e desenvovimento manipulam equipamentos, substâncias, materiais e animais em ambientes controlados e com práticas adequadas para garantir a proteção aos pesquisadores, operadores, instalação, meio-ambiente e à população. A quebra dessas regras pode trazer consequencias indesejáveis para todos e de dimensão, dependendo do caso, imprevisível.
Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2013.
Diretoria da SBBN

  • Silvia Maria Velasques de Oliveira, Presidente
  • Sérgio Chaves Cabral, Vice-Presidente geral
  • Thiago Salazar Fernandes, Vice-Presidente de divulgação
  • Fábio Luiz Navarro Marques, Vice-Presidente de eventos
  • Luciene das Graças Mota, Primeira Secretária
  • Liliane de Freitas Bauermann, Segunda Secretária
  • Sebastião David Santos-Filho, Primeiro Tesoureiro
  • Adenilson de Souza da Fonseca, Segundo Tesoureiro
  • Ademir de Jesus Amaral, conselheiro e ex-presidente
  • Mario Bernardo-Filho, conselheiro e ex-presidente
  • Valbert Nascimento Cardoso, conselheiro e ex-presidente

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Sobre a SBBN

A Sociedade Brasileira de Biociências Nucleares (SBBN) é uma associação civil e sem fins lucrativos.

São associados pesquisadores, professores e tecnologistas (titulares) e estudantes de graduação, pós-graduação e pós-doutoramento (aspirantes), com formação em Ciências Biológicas e Biomédicas, Farmácia, Química e Física, de universidades públicas e privadas e instituições de pesquisas.

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