ENTREVISTA: Thiago Salazar entrevista Dunstana Melo para o SBBNews

O Prof. Thiago Salazar entrevistou a Dra. Dunstana Melo, bióloga e doutora em Biofísica pela UFRJ, Brasil com pós-doutorado pelo National Institute of Health (NIH, USA). Em 2021, ela recebeu a premiação Director’s Awards 2020 do National Cancer Institute, National Institute of Health (NCI/NIH) in Maryland, EUA. Ela é um dos palestrantes internacionais do XIII Congresso SBBN.
O prêmio, na categoria the Scientific Award, foi concedido ao grupo de cientistas envolvidos no Estudo da Avaliação de Riscos à Saúde Causados pelo Teste Nuclear Trinity, o qual foi a primeira explosão nuclear mundial, ocorrida cerca de três semanas antes da explosão das bombas atômicas em Hiroshima (6/8/1945) e Nagasaki (9/8/ 1945). A premiação foi concedida como reconhecimento do compromisso e criatividade na avaliação do risco de câncer associado a exposição à radiação na população do Novo México. Esse grupo desenvolveu o artigo científico Estimated Radiation Doses Received by New México Residents from the 1945 Trinity Nuclear Test.

Thiago Salazar é biomédico e possui doutorado em tecnologias energéticas e nucleares pela UFPE. É professor do Departamento de Biofísica e Radiobiologia da UFPE.

Prof. Thiago: Primeiramente é uma honra entrevistá-la para o SBBNews. A SBBN, tenho certeza, tem tudo a ver com sua área de formação, e conta com a sua presença nos nossos Congressos. Obrigado! Gostaria, também, de parabenizá-la em nome da SBBN pela premiação da National Cancer Institute. A primeira pergunta é sobre o que este prêmio representa para sua carreira científica?
Dra. Dunstana: Gostaria de agradecer a oportunidade de estar aqui, sendo entrevistada por você, Thiago, para a SBBNews. Isto é uma grande honra para mim, pois eu sou uma das sócias-fundadoras da SBBN.
Respondendo a sua pergunta, este prêmio representa uma comprovação do sucesso da minha carreira científica. O estudo diário, as longas horas de trabalho, durante toda a vida, valeram muito a pena. Este foi um grande reconhecimento do trabalho que tenho feito em dosimetria das radiações e análise de risco à saúde. Portanto, gostaria de incentivar os jovens para seguirem os seus sonhos de uma carreira científica com sucesso, pois e possível fazermos os nossos sonhos se tornarem realidade, isto sempre acontece quando temos determinação e amor pelo que fazemos.
Prof. Thiago: Sua atuação em pesquisas sobre os efeitos para a saúde das pessoas em decorrência de testes nucleares tem recebido grande atenção. Você poderia nos falar sobre o teste da bomba atômica nos EUA em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, e como a precipitação de elementos radioativos pode ter impactado a saúde de moradores das áreas de teste, ou até mesmo, impactar a nossa saúde até hoje?
Dra. Dunstana: A bomba atômica foi desenvolvida pelo Projeto Manhattan liderado pelos Estados Unidos com o apoio do Reino Unido e do Canadá. De 1942 a 1946, o projeto foi desenvolvido sob a direção do General Leslie Groves, US. Army Corps of Engineers. O físico nuclear Robert Oppenheimer, diretor de Los Alamos National Laboratory na época, projetou e coordenou o desenvolvimento da Bomba Atômica. O teste de eficácia da bomba atômica, chamado Trinity Test, ocorreu em 16 de julho de 1945. Cerca de três semanas mais tarde, as bombas atômicas Little Boy e Fat Man foram detonada em Hiroshima (6 de agosto de 1945) e Nagasaki (9 de agosto de 1945). O teste foi conduzido em uma área remota do Estado do Novo México no Sudoeste dos EUA.
A bomba usada para o teste Trinity continha cerca de 6 kg de plutônio como principal fonte de fissão. A quantidade de material radioativo gerado por uma explosão nuclear pode variar consideravelmente dependendo de um número de fatores. Como por exemplo, o tamanho da bomba, o local da explosão, o termo fonte, as condições climáticas que determinam o tempo de chegada do fallout nas áreas atingidas pela explosão.
O impacto para a população também depende de vários fatores como o estilo de vida, tipo de moradia, hábitos alimentares, etc. A reconstrução de doses radiação recebida pela população do Estado do Novo México e a avaliação dos efeitos a saúde causados pela exposição à radiação, foi realizada considerando os fatores já mencionados para quatro etnias (raça branca, hispânicos, população nativa, e a população afro-americana). Para a estimativa de dose da população, nós consideramos os 63 radionuclídeos mais importantes no fallout.
As doses de radiação estimadas foram significantemente diferentes de acordo com a localização, idade e órgão exposto. Não foi observado qualquer diferença entre os grupos étnicos. O grupo mais exposto foi o de crianças até 2 anos de idade. Cerca de 20% desta população recebeu doses na tireoide entre 10 mGy a 300 mGy. As outras faixas etárias receberam doses mais baixas. As doses na tireoide das crianças foram devido a incorporação de leite contaminado com I-131. A análise de projeção de risco para a população de 581.489 indivíduos, mostra que o excesso de casos de câncer sólidos associados a exposição à radiação para o período entre 1945 – 2034 está em um intervalo entre 210 a 460 casos, entre 80 – 530 para câncer de tireoide e até 10 casos de leucemia.
Prof. Thiago: A SBBN tem um público interessado em efeitos biológicos das radiações. Observando-se os efeitos das radiações ionizantes em modelos biológicos simples, por exemplo, em moscas-das-frutas, nota-se que há o surgimento de gerações de moscas com olhos brancos. Mas, em se tratando de nós, seres humanos, já temos dados suficientes que indiquem que os testes nucleares contribuíram ou não para o surgimento de efeitos nas gerações seguintes?
Dra. Dunstana: O grande banco de dados existente para esta avaliação é dos sobreviventes das bombas atômicas detonadas em Hiroshima e Nagasaki. Os dados disponiveis não indicam a existência de efeitos genéticos causados pela exposição à radiação.
Prof. Thiago: Gostaria de comentar sobre o início da sua carreira? Quais foram seus principais desafios, e qual foi a grande recompensa por essa escolha?
Dra. Dunstana: Iniciei a carreira científica no Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD) da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Rio de Janeiro. Foi a grande oportunidade de formar, fundamentar e enriquecer o conhecimento em dosimetria das radiações durante 30 anos de trabalho no IRD. Após a aposentadoria do IRD, fui diretora do Center for Countermeasures Against Radiation do Lovelace Respiratory Research Institute (LRRI) no Novo México, EUA. Nesse instituto, havia conduzido a parte experimental de minha tese de doutorado, quando era um instituto do Departamento de Energia dos EUA, que se chamava Inhalation Toxicology Research Institute (ITRI). No LRRI, desenvolvi contramedidas médicas para mitigar os efeitos da radiação na saúde humana e estudos para avaliar a eficácia das drogas desenvolvidas pelo grupo e por clientes (indústria farmacêutica e governo). Em 2015, fundei a empresa Melohill Technology (www.melohilltech.com), a qual presta serviço de consultoria em dosimetria das radiações. Hoje, Melohill Technology está concorrendo juntamente com o Battelle Institute a contrato de 10 anos com valor em torno de 10 bilhões de dólares do Departamento de Defesa (DOD). O objetivo deste contrato é melhorar as condições de saúde dos militares americanos. Melohill Technology será responsável por toda a parte de exposição à radiação ionizante.
Prof. Thiago: Poderia comentar sobre a sua atuação na Gestão de diversos comitês nacionais e internacionais?
Dra. Dunstana: Eu tenho orgulho em dizer que participo dos dois comitês mais importantes na área de proteção radiológica, dosimetria e avaliação de risco a saúde causado pela exposição à radiação. O Brasil tem uma participação importante nos comitês internacionais. Eu, particularmente, participo do United Nations Scientific Committee on Effects of Atomic Radiation (UNSCEAR) desde 2000 até a presente data. Em 2000, a minha participação foi como vice representante do Brasil, quando a Dra. Joyce Lipsztein era a representante do Brasil, e, também, se tornou vice-presidente e presidente do Comitê. Em 2002 eu me tornei consultora do comitê para desenvolver o documento sobre exposição ocupacional a várias fontes de radiação, englobando exposição a fontes naturais de radiação, exposição a fontes artificiais de radiação, incluindo setores do ciclo do combustível nuclear, setores da área médica, da indústria e da educação e pesquisa. Atualmente, estou trabalhando como consultora desenvolvendo a nova versão do documento
Quanto à International Commission on Radiological Protection (ICRP), os membros do Comitê são cientistas com destaque e reconhecimento internacional. O convite que recebi para ser membro do Comitê aconteceu pela projeção dos artigos que publiquei sobre exposição a radionuclideos naturais em diferentes áreas no Brasil. E, principalmente, à publicação dos estudos conduzidos em Goiânia após o acidente com Cs-137. O Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD), juntamente com os demais institutos da CNEN, teve uma atuação impecável para resposta à emergência radiológica, assim como triagem das pessoas contaminadas com Cs-137, monitoração, assistência ao time médico para avaliação da eficácia do tratamento com Radiogardase para acelerar a eliminação de césio do corpo das pessoas contaminadas. O Brasil foi um exemplo para todos os países. Até hoje, a atuação do Brasil na resposta à emergência radiológica em Goiânia e mencionada em todos os simpósios, conferências, como um exemplo de como deve ser feito em uma situação de emergência. O Departamento de Monitoração Individual do IRD, onde eu trabalhei sob orientação da Dra Joyce Lipsztein, executou um trabalho magnífico que resultou em várias publicações de artigos em revistas internacionais e, com isto, a projeção aconteceu e os convites para participação de congressos, reuniões e comitês começaram a aparecer, pois todos queriam e ainda querem aprender conosco sobre como agir em uma situação de emergência. A minha tese de doutorado foi o desenvolvimento de um modelo biocinético para o césio específico para diferentes faixas etárias. O modelo foi desenvolvido utilizando-se dados de animais e de humanos. O experimento com animais foi realizado no Inhalation Toxicology Research Institute, Novo México. Essa tese de doutorado recebeu o prêmio no congresso da Health Physics em San Francisco, EUA, em 1994, e o modelo biocinetico para cesio foi adotado pela ICRP. Ainda hoje, sou convidada para dar palestras sobre Goiânia. Enfim, voltando para a ICRP, comecei a participar da ICRP em 2000 no Human Alimentary Tract (HAT) Task Group, este trabalho gerou a publicação 100 da ICRP, publicada em 2006, em seguida foi convidada a participar do Task Group para Dosimetria Interna, o qual participo até hoje. Portanto, um conselho que dou para os pesquisadores jovens é publicar bastante em revistas internacionais. Pois esta é a nossa vitrine.
Prof. Thiago: Bem, agradeço imensamente por sua disponibilidade e tenho certeza de que essa entrevista irá motivar os jovens a seguirem pelo caminho da ciência e tecnologia, de que nosso país tanto precisa. Por fim, quais suas sugestões para melhorar o problema da inovação tecnológica no país, e para a formação dos estudantes de ciências?
Dra. Dunstana: Thiago, eu que agradeço estar aqui. Gostaria de agradecer também à Dra. Silvia Velasques de Oliveira, por ter me proporcionado esta grande oportunidade de falar um pouco sobre a minha carreira e espero que os pesquisadores jovens, que são o futuro do nosso país, acreditem que podemos conseguir tudo que sonhamos. Algumas vezes a situação parece difícil, mas com determinação, perseverança, entusiasmo e amor pelo que fazemos, conseguimos vencer.

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São associados pesquisadores, professores e tecnologistas (titulares) e estudantes de graduação, pós-graduação e pós-doutoramento (aspirantes), com formação em Ciências Biológicas e Biomédicas, Farmácia, Química e Física, de universidades públicas e privadas e instituições de pesquisas.

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